Prof. João Réus Santos
Origem dos conflitos entre árabes e judeus

Perseguições históricas e a Diáspora Judaica
A história do povo judeu é marcada por perseguições e deslocamentos. Desde a destruição do Primeiro Templo pelos babilônios em 586 a.C. e do Segundo Templo pelos romanos em 70 d.C., os judeus enfrentaram a Diáspora, espalhando-se pelo Mediterrâneo, Europa, Ásia e, mais tarde, Américas. Durante séculos, sofreram antissemitismo em diversas formas: as Cruzadas (séculos XI-XIII), a Inquisição espanhola (século XV), pogroms na Europa Oriental (séculos XIX-XX) e restrições legais em muitos países. Essas perseguições reforçaram a identidade judaica, centrada na religião e na esperança de retorno à Terra Prometida.
O auge do antissemitismo ocorreu durante a Segunda Guerra Mundial (1939–1945), com o Holocausto, no qual cerca de seis milhões de judeus foram assassinados pelo regime nazista. Esse genocídio intensificou o apoio global ao sionismo, movimento que defendia a criação de um lar nacional judeu na Palestina, então sob mandato britânico.
Criação do Estado de Israel e a reação árabe
No final do século XIX, o sionismo, liderado por Theodor Herzl, incentivou a imigração judaica para a Palestina, então habitada majoritariamente por árabes muçulmanos e cristãos, com uma minoria judaica. A Declaração Balfour (1917) expressou apoio britânico a um "lar nacional" judeu, aumentando as tensões com a população árabe local, que temia a perda de terras e influência. Após a Segunda Guerra Mundial, a ONU propôs, em 1947, a partilha da Palestina em dois Estados: um judeu e um árabe.
Em 14 de maio de 1948, Israel declarou independência, um marco para os judeus, mas visto como a Nakba ("catástrofe") pelos palestinos, com o deslocamento de cerca de 700 mil árabes. A proposta de um Estado palestino não se concretizou, pois os líderes árabes rejeitaram a partilha, argumentando que ela desrespeitava os direitos da maioria árabe. Imediatamente, países árabes vizinhos (Egito, Síria, Jordânia, Líbano e Iraque) declararam guerra a Israel, iniciando a Guerra da Independência (1948–1949). Israel venceu, expandindo seu território além do proposto pela ONU, enquanto a Jordânia anexou a Cisjordânia e o Egito controlou Gaza.
Guerras pós-1948 e motivos multifacetados
Os conflitos subsequentes entre Israel e os países árabes foram impulsionados por fatores territoriais, culturais, religiosos, econômicos e políticos:
Guerra de Suez (1956): Israel, aliado ao Reino Unido e à França, invadiu o Sinai após o Egito nacionalizar o Canal de Suez. A pressão internacional forçou a retirada, mas reforçou a hostilidade árabe-israelense.
Guerra dos Seis Dias (1967): Israel derrotou Egito, Síria e Jordânia, ocupando a Cisjordânia, Gaza, Sinai e as Colinas de Golã. A captura de Jerusalém Oriental, com locais sagrados como a Mesquita de Al-Aqsa, intensificou disputas religiosas.
Guerra do Yom Kippur (1973): Egito e Síria atacaram Israel para recuperar territórios, resultando em um cessar-fogo sem mudanças significativas nas fronteiras, mas pavimentando o caminho para acordos de paz, como o de Camp David (1978) entre Israel e Egito.
Primeira e Segunda Intifadas (1987–1993 e 2000–2005): Revoltas palestinas contra a ocupação israelense na Cisjordânia e Gaza, marcadas por violência e resistência, destacaram a frustração pela ausência de um Estado palestino.
Os motivos desses conflitos incluem:
Territoriais: Disputas por terras, especialmente Jerusalém, Cisjordânia e Gaza, alimentam tensões. Os assentamentos israelenses na Cisjordânia são vistos como uma barreira à soberania palestina.
Religiosos: Jerusalém é sagrada para judeus (Muro das Lamentações), muçulmanos (Mesquita de Al-Aqsa) e cristãos (Igreja do Santo Sepulcro), tornando-a um ponto focal de conflitos.
Culturais: Diferenças entre a identidade nacional judaica e a árabe-palestina, reforçadas por narrativas históricas opostas, criam animosidades.
Econômicos: O controle de recursos hídricos (como o Rio Jordão) e terras agrícolas é crucial em uma região árida.
Políticos: A rejeição árabe inicial à partilha da ONU e a aspiração palestina por autodeterminação colidem com a segurança nacional de Israel.
Grupos terroristas e oposição a Israel
Diversos grupos armados surgiram com o objetivo declarado de destruir Israel e, em alguns casos, o povo judeu, adotando táticas terroristas. Entre os principais:
Hamas: Fundado em 1987 durante a Primeira Intifada, o Hamas (Movimento de Resistência Islâmica) é um grupo palestino sunita que controla Gaza desde 2007. Sua carta original pedia a destruição de Israel, embora revisões posteriores tenham sugerido abertura a negociações. Ataca Israel com foguetes e atentados, justificando suas ações como resistência à ocupação.
Hezbollah: Criado no Líbano em 1982, com apoio do Irã, o Hezbollah é um grupo xiita que se opõe a Israel, especialmente após a ocupação do sul do Líbano (1982–2000). Envolvido em conflitos como a Guerra do Líbano (2006), combina atividades paramilitares com influência política.
Organização para a Libertação da Palestina (OLP): Fundada em 1964, inicialmente adotou táticas violentas, mas, sob Yasser Arafat, aceitou negociações nos Acordos de Oslo (1993). Facções dissidentes, como a Frente Popular para a Libertação da Palestina (FPLP), continuaram ataques terroristas.
Jihad Islâmica Palestina: Formada em 1981, é um grupo menor, mas ativo em Gaza, com apoio iraniano, focado em ataques armados contra Israel.
Esses grupos, financiados por atores regionais como o Irã, veem Israel como uma imposição colonial e buscam sua eliminação, frequentemente apelando a narrativas religiosas e nacionalistas. Suas ações, incluindo atentados suicidas e lançamentos de foguetes, intensificaram a militarização do conflito e a repressão israelense.
Análise geopolítica e conjuntural atual
Nos últimos anos, o cenário do conflito árabe-israelense evoluiu, mas permanece volátil. Desde 2020, os Acordos de Abraão normalizaram relações entre Israel e países árabes como Emirados Árabes Unidos, Bahrein, Sudão e Marrocos, indicando uma mudança na dinâmica regional, com foco em interesses econômicos e contenção do Irã. Contudo, o conflito israelo-palestino continua sem resolução, com as negociações estagnadas desde o fracasso das conversas de 2014.
Os eventos recentes, até outubro de 2023, destacam a persistência das tensões. Em 7 de outubro de 2023, o Hamas lançou um ataque surpresa contra Israel, matando cerca de 1.200 pessoas e sequestrando mais de 250, desencadeando uma guerra em Gaza. A resposta israelense, com bombardeios intensos, resultou em mais de 40 mil mortes palestinas, segundo autoridades locais, e uma crise humanitária grave. A escalada envolveu também o Hezbollah, com trocas de ataques no norte de Israel, e o Irã, que intensificou seu apoio a grupos anti-Israel.
Geopoliticamente, o conflito reflete rivalidades regionais. O Irã, por meio de proxies como o Hezbollah e o Hamas, busca contrabalançar a influência de Israel e seus aliados, como os EUA. A Turquia e o Qatar, por sua vez, apoiam movimentos islamistas, enquanto a Arábia Saudita mantém uma postura ambígua, equilibrando interesses econômicos com pressões populares pró-palestinas. A ocupação contínua da Cisjordânia, a expansão de assentamentos e a falta de progresso na solução de dois Estados alimentam a instabilidade.
Conjunturalmente, a guerra em Gaza expôs divisões internacionais: enquanto os EUA e a Europa apoiam Israel, países do Sul Global criticam suas ações como desproporcionais. Movimentos globais, como o BDS (Boicote, Desinvestimento e Sanções), ganham força, enquanto o antissemitismo e a islamofobia crescem em paralelo. A ausência de uma liderança palestina unificada e a desconfiança mútua entre Israel e a Autoridade Palestina dificultam a paz.
Conclusão
Os conflitos entre árabes e judeus, com epicentro no conflito israelo-palestino, são o resultado de séculos de interações marcadas por perseguições, aspirações nacionais e disputas por recursos e territórios. A Diáspora Judaica e o Holocausto moldaram a criação de Israel, enquanto a Nakba e a resistência árabe forjaram a identidade palestina. Guerras, grupos terroristas e rivalidades geopolíticas perpetuam o ciclo de violência. Resolver o conflito exige enfrentar questões estruturais, como a soberania palestina e a segurança israelense, em um contexto em que interesses globais e regionais continuam a complicar o caminho para a paz.
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