Prof. João Réus Santos
Origem dos povos árabes e palestinos: Contexto dos conflitos no Oriente Médio - Parte III
Contexto dos conflitos no Oriente Médio

Os conflitos no Oriente Médio, particularmente entre Israel e os países árabes, são profundamente enraizados em questões religiosas, territoriais, culturais, políticas e econômicas. Após explorarmos a origem do povo judeu e dos povos mesopotâmicos nas edições anteriores, esta terceira parte da série investiga a história dos povos árabes e, em particular, dos palestinos. Compreender suas origens, culturas, religiões e realidades atuais é essencial para contextualizar as tensões que moldam a região, especialmente o conflito israelo-palestino.
Parte III
A origem dos povos árabes
Raízes históricas e identidade
Os árabes são um grupo étnico semita originário da Península Arábica, que abrange hoje a Arábia Saudita, Iêmen, Omã, Emirados Árabes Unidos, Qatar, Bahrein e Kuwait. Estudos genéticos e arqueológicos sugerem que os povos semitas da Península Arábica têm raízes que remontam ao terceiro milênio a.C., compartilhando ancestrais comuns com outros grupos semitas, como os hebreus e os assírios. Os árabes antigos eram predominantemente nômades, conhecidos como beduínos, que viviam em tribos organizadas por laços familiares e dependiam do comércio, da criação de camelos e de oásis para sobreviver no deserto.
Por volta do primeiro milênio a.C., reinos árabes como os sabeus, mineus e qatabanitas floresceram no sul da Península Arábica (atual Iêmen), beneficiando-se do comércio de incenso e especiarias. No norte, os nabateus, um povo árabe sedentário, estabeleceram a cidade de Petra (atual Jordânia) como um importante centro comercial. Esses povos desenvolveram línguas semíticas, como o árabe antigo, que evoluíram para o árabe clássico, base do Alcorão.
Cultura e religião pré-islâmica
Antes do surgimento do Islã no século VII d.C., os árabes eram politeístas, adorando divindades como Al-Lat, Al-Uzza e Manat, além de espíritos associados a pedras, árvores e fontes. A Kaaba, em Meca, já era um santuário religioso central, atraindo peregrinos de várias tribos. Além disso, comunidades judaicas e cristãs coexistiam na Península Arábica, influenciando a cultura árabe. A poesia oral era uma marca distintiva da cultura árabe pré-islâmica, celebrando valores como coragem, hospitalidade e lealdade tribal.
A ascensão do Islã, com o profeta Maomé (c. 570–632 d.C.), transformou a identidade árabe. A unificação das tribos sob a bandeira do Islã e a rápida expansão do califado a partir do século VII disseminaram a língua árabe e a religião islâmica por vastas regiões, do Norte da África ao Oriente Médio. O árabe clássico, consolidado pelo Alcorão, tornou-se a língua franca, e o Islã moldou a cultura, a política e a sociedade árabe.
Atualidade: Os árabes hoje
Os árabes modernos formam um grupo étnico e cultural diverso, presente em 22 países da Liga Árabe, incluindo Egito, Síria, Iraque, Jordânia e Arábia Saudita. Estima-se que cerca de 450 milhões de pessoas se identifiquem como árabes, unidas principalmente pela língua árabe e pela herança cultural islâmica, embora haja minorias cristãs, drusas e outras. A maioria dos árabes é muçulmana, dividida entre sunitas (maioria) e xiitas, com diferenças teológicas que influenciam conflitos regionais, como as tensões entre Arábia Saudita e Irã.
Os árabes não são um grupo monolítico. Além das divisões religiosas, há diferenças culturais entre árabes urbanos, rurais e beduínos, bem como identidades nacionais distintas moldadas por histórias coloniais e pós-coloniais. Apesar dos desafios, como conflitos internos e desigualdades econômicas, a identidade árabe permanece forte, impulsionada por uma rica herança cultural e pelo papel central na geopolítica do Oriente Médio.
A origem dos palestinos
Raízes históricas e formação
Os palestinos são um povo cuja identidade está intrinsecamente ligada à região histórica da Palestina, que abrange os atuais territórios de Israel, Cisjordânia, Faixa de Gaza e partes da Jordânia. Historicamente, os palestinos não descendem diretamente dos árabes da Península Arábica, mas são o resultado de uma complexa mistura de povos que habitaram a região desde a Antiguidade. A Palestina foi povoada por cananeus, um povo semita, desde o terceiro milênio a.C., seguidos pelos filisteus, um povo não semita que chegou por volta do século XII a.C., possivelmente do Egeu, e que deu origem ao nome "Palestina", adotado pelos romanos após a revolta judaica de 70 d.C.
Estudos genéticos indicam que a população palestina moderna tem raízes em povos indígenas do Levante, incluindo cananeus, com contribuições genéticas de hebreus, filisteus e outros grupos que habitaram a região antes da chegada do Islã. A arabização da Palestina começou com as conquistas muçulmanas no século VII d.C., quando a população local, composta por descendentes de cananeus, hebreus convertidos ao Islã ou ao cristianismo e outros grupos, adotou gradualmente a língua árabe e, em grande parte, a religião islâmica. Esse processo foi consolidado sob os califados omíada e abássida, muito antes das invasões otomanas do século XVI.
Ao contrário da ideia de que os palestinos chegaram à região com os otomanos (1516–1918), a presença de seus antepassados na Palestina é muito anterior, remontando à continuidade cultural e demográfica dos povos do Levante. Durante o período otomano, a população da Palestina, majoritariamente árabe muçulmana com minorias cristãs e judaicas, vivia em vilarejos agrícolas e cidades como Jerusalém, Hebron e Nablus, sob uma administração que não alterou significativamente sua composição étnica. A identidade palestina moderna, no entanto, foi forjada no século XX, em resposta à imigração judaica sionista e à criação do Estado de Israel em 1948, que resultou na Nakba, o deslocamento de cerca de 700 mil palestinos.
Cultura e religião
A cultura palestina reflete influências árabes, com ênfase na hospitalidade, na culinária (como falafel e hummus) e na arte popular, incluindo bordados tradicionais. A poesia e a literatura, como as obras de Mahmoud Darwish, expressam a resistência e a conexão com a terra. Religiosamente, a maioria dos palestinos é muçulmana sunita, com uma minoria cristã significativa, especialmente em Belém e Ramallah. Jerusalém, com locais sagrados como a Mesquita de Al-Aqsa e a Igreja do Santo Sepulcro, é central para a identidade palestina.
Atualidade: Os palestinos hoje
Hoje, cerca de 14 milhões de palestinos vivem na Cisjordânia, Faixa de Gaza, Israel (como cidadãos árabe-israelenses) e na diáspora, principalmente em Jordânia, Líbano e Síria. Na Cisjordânia e em Gaza, sob ocupação parcial ou bloqueio israelense, os palestinos enfrentam desafios como restrições de mobilidade, assentamentos israelenses e crises humanitárias. A Autoridade Palestina governa partes da Cisjordânia, enquanto o Hamas controla Gaza, criando divisões políticas internas.
Os palestinos mantêm uma forte identidade nacional, centrada na luta por um Estado soberano. Negociações de paz, como os Acordos de Oslo, não alcançaram uma solução definitiva, e conflitos esporádicos, como os de Gaza, persistem. Apesar das dificuldades, a cultura palestina permanece vibrante, com movimentos artísticos e ativismo global em apoio à sua causa.
Conexão com os conflitos no Oriente Médio
A história dos árabes e palestinos está diretamente ligada aos conflitos do Oriente Médio. A criação de Israel em 1948, vista como um marco pelos judeus, foi percebida como uma perda territorial e cultural pelos palestinos e apoiada de forma variada pelos países árabes. Guerras como a de 1948, a Guerra dos Seis Dias (1967) e as Intifadas (1987–1993 e 2000–2005) refletem disputas por terra, soberania e identidade. Questões religiosas, como o controle de Jerusalém, e rivalidades econômicas, como o acesso a recursos hídricos, intensificam essas tensões.
Próximos passos
Na próxima edição, exploraremos a interação entre judeus, árabes, palestinos e outros grupos regionais, analisando como fatores históricos, religiosos e políticos culminaram nos conflitos atuais. Fique atento para entender melhor as dinâmicas de uma das regiões mais complexas do mundo.
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