Prof. João Réus Santos
O fim da jornada 6x1 em um Brasil tecnologicamente desigual

O debate sobre o fim da jornada 6x1, seis dias de trabalho para um de descanso, está ganhando força, impulsionado por demandas sociais por mais qualidade de vida e por uma reconfiguração do mercado de trabalho, que vem sendo profundamente impactado pela automação e pela inteligência artificial (IA). No entanto, no Brasil de hoje, marcado por desigualdade educacional, baixa qualificação profissional e um setor produtivo cada vez mais automatizado, essa proposta traz riscos que vão além do debate sobre bem-estar.
O paradoxo da modernização com exclusão
Enquanto em países desenvolvidos a redução da jornada de trabalho tem sido acompanhada por ganhos de produtividade e redistribuição do tempo livre, no Brasil esse mesmo processo corre o risco de aprofundar a exclusão. Isso porque grande parte da mão de obra nacional ainda carece de formação técnica e intelectual para se adaptar às novas exigências do mercado digital e automatizado.
Com a substituição crescente de trabalhadores por máquinas e algoritmos, muitos profissionais já enfrentam perda de empregos formais ou rebaixamento de função. Ao mesmo tempo, a proposta de reduzir o tempo de trabalho semanal pode significar uma queda de renda direta, obrigando milhares a buscar segundos empregos ou atividades informais, agravando a precarização do trabalho.
Cenário econômico e o risco da baixa produtividade
Em uma economia ainda frágil, com crescimento tímido e alta dependência de setores que empregam intensivamente (como serviços e comércio), a redução da jornada sem um plano nacional de requalificação pode levar a queda da produção, aumento da informalidade e maior concentração de renda. O que em teoria seria uma conquista social pode, na prática, representar uma retração econômica e social para os mais vulneráveis.
Setores impactados de forma desigual
Setor primário (campo): já enfrenta substituição de trabalhadores por máquinas agrícolas. A redução de jornada exigiria mais contratações, o que pode ser inviável.
Setor secundário (indústria): está cada vez mais automatizado. A mudança pode gerar ganhos para empresas, mas expulsar trabalhadores de baixa qualificação.
Setor terciário (serviços): com altos níveis de informalidade e subemprego, pode ser forçado a ampliar a precarização, com jornadas disfarçadas em múltiplos vínculos ou "bicos".
A tecnologia como aliada ou inimiga?
A IA e a automação não são inimigas por si só. Quando bem utilizadas, podem reduzir a carga de trabalho humano, aumentar a produtividade e melhorar a qualidade de vida. Mas sem políticas públicas eficazes, o avanço tecnológico pode resultar em desemprego estrutural, especialmente para quem não teve acesso à educação de qualidade ou capacitação contínua.
Conclusão: o dilema brasileiro
A ideia de abolir o modelo 6x1 deve ser analisada com cautela no contexto brasileiro. Embora deseje-se mais tempo livre e dignidade no trabalho, não se pode ignorar a realidade de um país onde milhões de pessoas estão sendo substituídas por tecnologias que elas não dominam — e sem alternativa de reinserção digna no mercado.
É possível, sim, pensar em uma sociedade com jornadas mais humanas. Mas para isso, é essencial investir em educação técnica, formação digital, políticas de transição profissional e proteção social. Do contrário, a redução de jornada pode se tornar um vetor de desigualdade, e não de progresso.
O futuro do trabalho não está apenas nas máquinas, mas em como o país prepara sua população para conviver - e competir, com elas.
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