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Joinville,15/06/2025

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Santo Onofre: O eremita que desafia o romantismo do Dia dos Namorados

No 12 de junho, enquanto o Brasil celebra o amor, a história de um santo que viveu 60 anos em solidão no deserto traz lições de fé, resiliência e introspecção

Fonte: redação360
Santo Onofre: O eremita que desafia o romantismo do Dia dos Namorados

O Dia dos Namorados, celebrado no Brasil em 12 de junho, é uma explosão de romantismo: casais trocam presentes, jantares à luz de velas enchem restaurantes, e as redes sociais se inundam de declarações de amor. A data, criada em 1949 pelo publicitário João Doria para aquecer o comércio em um mês de vendas mornas, coincide com a véspera do Dia de Santo Antônio, o famoso “santo casamenteiro”. Mas, por uma curiosa ironia do destino, o 12 de junho também é dedicado a Santo Onofre, um eremita egípcio que viveu mais de 60 anos em completo isolamento no deserto da Tebaida, no Egito. Sua história, marcada por renúncia e espiritualidade, oferece um contraponto fascinante ao clima de paixão que domina o dia.


Uma Vida de Renúncia no Deserto

Santo Onofre, que teria vivido entre os séculos III e IV, é uma figura envolta em lendas e simbolismo. Segundo a tradição cristã, ele nasceu em uma família nobre e, inicialmente, seguiu a vida monástica em um mosteiro na região de Hermópolis, no Egito. No entanto, movido por um chamado espiritual mais profundo, Onofre abandonou a comunidade monástica para se embrenhar no deserto da Tebaida, uma região conhecida por abrigar eremitas em busca de conexão direta com Deus.

Ali, ele viveu em uma gruta, longe de qualquer contato humano, por mais de seis décadas. Sua vida era de extrema simplicidade: vestia-se apenas com folhas ou, segundo algumas versões, cobria-se com seus próprios cabelos e barba, que cresceram longos com o passar dos anos. Sua alimentação vinha do que o deserto oferecia — principalmente tâmaras — e, segundo a tradição, ele recebia água e pão de um anjo, um milagre que reforça sua aura de santidade.

A história de Onofre só chegou ao conhecimento do mundo graças a São Pafúncio, um abade que, em sua própria jornada pelo deserto, encontrou o eremita pouco antes de sua morte. Pafúncio relatou que Onofre, já idoso e debilitado, compartilhava uma sabedoria serena, fruto de décadas de contemplação. “Ele escolheu a solidão para se livrar das distrações do mundo e se dedicar exclusivamente à oração”, explica José Luís Lira, historiador e presidente da Academia Brasileira de Hagiologia. “Onofre representa a busca por uma fé pura, sem intermediários.”

Um Contraste com o Dia dos Namorados

A coincidência de Santo Onofre ser celebrado no Dia dos Namorados é, no mínimo, intrigante. Enquanto casais celebram a conexão humana, Onofre simboliza o oposto: a força da solitude escolhida. “É uma ironia poética”, comenta a antropóloga Lúcia Helena Rangel, professora da PUC-SP. “O 12 de junho, que exalta o amor romântico, também nos apresenta um santo que encontrou plenitude na ausência de laços humanos. É como se a data nos convidasse a refletir sobre diferentes formas de amor — o amor pelo outro e o amor pelo divino.”

A escolha da data pelo publicitário João Doria, que não tinha relação com a celebração de Onofre, foi puramente comercial, mas acabou criando um diálogo inesperado. “Doria queria movimentar o varejo, mas, sem saber, colocou o Dia dos Namorados lado a lado com um santo que renunciou a tudo que o consumismo valoriza”, observa o historiador Luiz Antônio Simas, autor do livro Santos de Casa. Para Simas, a história de Onofre ressoa especialmente em um mundo moderno, onde a conexão constante pode sufocar momentos de introspecção.

Devoção Popular e Sincretismo no Brasil

No Brasil, Santo Onofre é mais do que uma figura histórica ou religiosa; ele é parte do imaginário popular, especialmente em comunidades mais simples. Sua imagem, muitas vezes representada como um homem barbudo envolto em folhas, é associada à proteção contra a fome e o alcoolismo. “Minha avó tinha uma estátua de Santo Onofre em casa e dizia que ele protegia a despensa”, conta Maria de Fátima, moradora de uma comunidade rural no interior da Bahia. “Era como se ele garantisse que nunca faltasse comida.”

Essa devoção reflete o sincretismo tão característico da religiosidade brasileira, onde santos católicos ganham papéis que dialogam com as necessidades do povo. “Onofre é um santo da resiliência”, explica Lira. “Sua vida austera no deserto, dependendo do mínimo para sobreviver, inspira quem enfrenta dificuldades materiais ou espirituais.” Em algumas regiões, ele também é invocado por aqueles que buscam superar vícios, uma associação que vem de sua imagem como alguém que renunciou aos prazeres terrenos.

Um Convite à Reflexão

Em um mundo hiperconectado, onde as redes sociais amplificam o barulho e a pressa do cotidiano, a história de Santo Onofre é um convite à pausa. Sua escolha pela solidão não era uma fuga, mas uma busca ativa por significado. “Onofre nos ensina que a solitude pode ser libertadora”, diz Rangel. “Em um dia como o 12 de junho, quando o foco está no amor compartilhado, ele nos lembra que o amor-próprio e a conexão com algo maior também têm seu valor.”

Enquanto casais celebram com flores e promessas, a figura de Santo Onofre, com sua barba longa e sua gruta no deserto, sussurra uma verdade atemporal: às vezes, é na solidão que encontramos as respostas mais profundas. Neste Dia dos Namorados, entre um brinde e um abraço, talvez valha a pena reservar um momento para ouvir o silêncio que Onofre tão bem conheceu.




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