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Joinville,10/05/2025

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Olmar Pereira da Costa

Análise Crítica da Pena no Caso Débora Rodrigues sob a Constituição e Leis Infraconstitucionais

Análise Crítica da Pena no Caso Débora Rodrigues sob a Constituição e Leis Infraconstitucionais

Em recente julgamento, o Supremo Tribunal Federal condenou Débora Rodrigues dos Santos a penas que totalizam 14 anos de reclusão, em regime inicial fechado, além de fixar indenização solidária no montante de R$ 30 milhões de reais, a título de danos morais coletivos, em razão de sua participação nos eventos golpistas ocorridos em 8 de janeiro de 2023.

Débora foi denunciada pela prática dos delitos de: a) associação criminosa armada; b) abolição violenta do Estado Democrático de Direito; c) tentativa de golpe de Estado; d) dano qualificado; e) deterioração de patrimônio tombado.

Os crimes de abolição violenta do Estado Democrático de Direito e tentativa de golpe de Estado, exigem que haja presente a violência ou grave ameaça, o que não parece ter sido a conduta praticada por Débora, o que demandaria a sua absolvição.

Assim, alguns aspectos da sentença condenatória merecem exame mais crítico:

1) Aplicação do concurso material poderia ter sido substituída pelo reconhecimento de crime continuado, previsto no artigo 71 do Código Penal, dadas as circunstâncias dos fatos, isto é, quando um agente (Débora) comete dois ou mais crimes da mesma espé-cie (violam o mesmo bem jurídico protegido), mediante mais de uma ação ou omissão dadas às circunstâncias de tempo, lugar e modo de execução.

2) A condenação pelos crimes de abolição violenta do Estado Democrático de Direito e tentativa de golpe de Estado exigem demonstração inequívoca da conduta de adesão consciente ao plano golpista, o que também não parece ter sido suficientemente indi-vidualizada a conduta de Debora.

Ainda que a imputação formal atenda aos requisitos legais, a escolha pela aplicação do concurso material revela-se, no mínimo, questionável, sobretudo diante do con-texto de tempo e finalidade das condutas, que nos parece ser mais compatível com o conceito de crime continuado.

O concurso material pressupõe a prática de infrações penais individualizadas, distin-tas e autônomas, ensejando a soma das penas década crime, e assim foi feito. Por sua vez, o crime continuado admite a unificação das penas diante da prática reiterada de delitos semelhantes aplicando-se a pena do crime mais grave, com acréscimo propor-cional, o que reduziria significativamente a pena final.

A responsabilização penal pelos crimes de golpe de Estado e abolição violenta do Es-tado Democrático de Direito, em contexto de crime multitudinário (praticado por uma multidão em condições de tumulto, e que as pessoas se unem espontaneamente para agir em conjunto), demanda prova inequívoca do animus golpista de cada um, indivi-dualmente, e não mera suposição decorrente da presença naqueles eventos.

Nesse sentido, o Ministro Luiz Fux salientou acertadamente que o standard probatório para condenação deve ser aquele que supera a dúvida razoável, exigindo-se provas concretas e individualizadas.

Vemos então, que os crimes multitudinários apresentam dificuldades próprias e ine-rentes à individualização das condutas, além da demonstração do dolo específico de cada acusado, a vontade de agir, a existência de um acordo, ainda que tácito, entre os manifestantes, para a execução da mesma infração penal, sob pena de mitigação ina-ceitável das garantias constitucionais fundamentais.

Embora o STF tenha considerada apta a denúncia apresentada pela Procuradoria-Geral da República (PGR), sustentando a preservação do pleno exercício do contraditório e da ampla defesa, a aceitação da autoria coletiva enfraquece o princípio da individuali-zação da conduta, essencial para a validade do juízo condenatório. A ausência de nexo causal, ou seja, a ligação entre um evento e as suas consequências, devidamente in-dividualizado, compromete os princípios constitucionais do devido processo legal e da presunção de inocência.

No tocante à indenização fixada no valor de R$ 30 milhões de reais, revela flagrante desproporcionalidade a luz do parágrafo único do artigo 944 do Código Civil, que prevê a possibilidade de redução equitativa da indenização em caso de descompasso entre a gravidade da culpa e o dano causado, aspecto que parece ter sido desconsiderado no presente caso.

A fixação de indenização tão elevada sem a devida ponderação quanto ao grau de par-ticipação de cada um, contraria o princípio da proporcionalidade. Em comparação, en-quanto alguns dos envolvidos depredaram edifícios públicos, a conduta de Débora, em princípio, limitou-se à pichação de uma estátua com batom, gerando dano de baixa monta, reparável com uma lavagem.

Ressalte-se, ainda, que a majoração das penas mínimas aplicadas, elevando-as em 3 (três) anos e 6 (seis) meses, igualmente carece de fundamentação expressa nos votos ministeriais, o que afronta o artigo 93, inciso IX, da Constituição Federal, que exige mo-tivação explícita e pública das decisões judiciais sob pena de nulidade.

A competência do Supremo Tribunal Federal para o julgamento também é objeto de questionamento, visto que o artigo 102, inciso I, da Constituição, prevê que a compe-tência originária da Corte se limita aos casos que envolvem autoridades com prerroga-tiva de foro, o que não se aplica a Débora, na medida em que não ocupava qualquer função pública.

No mesmo sentido, o Ministro Luiz Fux já se posicionou no sentido de que a competên-cia, nesse caso, seria da primeira instância de Brasília, local dos acontecimentos.

Diante de relevantes dúvidas fáticas e jurídicas, impunha-se a aplicação do princípio do in dubio pro reo (na dúvida, a favor do réu), eis que parte das provas se limita a vídeos e a confissão parcial do ato de vandalismo, não havendo comprovação inequívoca da vontade de aderir conscientemente a um plano golpista.

A imposição de pena única elevada e indenização solidária sem a devida diferenciação de condutas individuais, viola o princípio da individualização da pena, essencial no Es-tado Democrático de Direito.

Em conclusão, o caso não se encerra por aqui, e expõe o permanente desafio de com-patibilizar a defesa da ordem democrática com a preservação rigorosa dos direitos e garantias individuais, valores que constituem a espinha dorsal da Constituição de 1988.



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