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Joinville,09/05/2025

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Olmar Pereira da Costa

A incoerência entre vítima e agente da arbitrariedade: O caso da lacração de celulares no STF

A incoerência entre vítima e agente da arbitrariedade: O caso da lacração de celulares no STF

A recente decisão do Ministro Cristiano Zanin, que determinou a lacração dos celulares dos advogados presentes em sessão pública da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), marca um triste e contraditório episódio na história das prerrogativas da advocacia brasileira. Trata-se da repetição, agora sob nova roupagem, de um ato que, no passado recente, o próprio ministro sofreu e corretamente combateu como advogado de defesa.

Em fevereiro de 2017, durante a tramitação de ação penal contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o então juiz federal Sergio Moro proibiu a defesa de gravar, por meios próprios, a audiência de instrução e julgamento. 

A decisão de Moro determinava que "Nenhuma parte tem direito de gravar áudio ou vídeo da audiência sem autorização expressa deste juízo. Ficam advertidas as partes, com base no artigo 251 do Código de Processo Penal que não promovam gravações de vídeo de audiência sem autorização do juízo” Moro alegou que a gravação sem autorização seria irregular.

Os advogados Cristiano Zanin Martins e Roberto Teixeira insurgiram-se contra a ordem, apontando sua ilegalidade e arbitrariedade. Em manifestação dirigida à OAB, destacaram que o artigo 367, § 6º, do Código de Processo Civil, aplicável subsidiariamente ao processo penal, assegura que:

“A gravação a que se refere o § 5º também pode ser realizada diretamente por qualquer das partes, independentemente de autorização judicial.”

A defesa de Lula sustentou que a proibição de gravações por iniciativa própria dos advogados não apenas afrontava o ordenamento jurídico, como também impedia a documentação plena dos atos processuais, essencial para a ampla defesa e a proteção contra eventuais irregularidades processuais.

Ironicamente, agora na condição de Ministro do Supremo Tribunal Federal, Cristiano Zanin pratica a mesma arbitrariedade que antes combatera. Ao determinar a lacração dos celulares dos advogados durante sessão pública — sem qualquer individualização de conduta, sem comprovação de prejuízo à ordem dos trabalhos e sem respaldo legal específico — repete o equívoco jurídico de impedir o uso de instrumentos tecnológicos indispensáveis ao exercício profissional.

Assim como em 2017, a medida atual viola:

    o art. 5º, inciso LV, da Constituição Federal, que garante o contraditório e a ampla defesa com todos os meios e recursos a ela inerentes;

        • o art. 367, §§ 5º e 6º do Código de Processo Civil, que expressamente permite o uso de meios eletrônicos pelas partes e o registro das audiências sem necessidade de autorização judicial;
        • e a Resolução nº 354/2020 do CNJ, que estimula o uso de tecnologia para promover a efetividade e a transparência dos atos processuais.
    • Espera-se dos magistrados, especialmente de Ministros do Supremo Tribunal Federal, a fiel observância dos princípios constitucionais, da legalidade estrita e da coerência com sua trajetória profissional e pública. A reedição de práticas que no passado foram — com razão — denunciadas como abusivas, agora sob o manto da autoridade de ministro, revela uma lamentável incoerência institucional.
    • Se, como advogado, Cristiano Zanin denunciou a arbitrariedade da proibição de gravações, não pode, como juiz, cometer o mesmo vício, ainda mais sob o peso de decisões que violam prerrogativas profissionais asseguradas pela legislação infraconstitucional e na Constituição, artigo 133, onde “O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei”.
    • A trajetória do agora Ministro Zanin deveria tê-lo tornado ainda mais sensível às violações das garantias da advocacia que exerceu por muitos anos. No entanto, ao ordenar a lacração indiscriminada dos celulares dos advogados, reproduziu a mesma lógica autoritária que combateu, demonstrando que o poder, quando mal compreendido, tende a replicar os erros que antes se denunciava.
    • O respeito às prerrogativas dos advogados é indispensável não apenas para a dignidade da profissão, mas para a própria manutenção do Estado de Direito, revogando a decisão e reconhecendo o equívoco cometido é mais que um dever jurídico, é um compromisso moral com a Constituição e com a história pessoal de quem já esteve, um dia, do outro lado da trincheira.


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