O Peso da Fome: Por que o Brasil enfrenta uma epidemia de obesidade
Enquanto milhões passam fome, o excesso de peso cresce no país, impulsionado por desigualdades, ultraprocessados e falta de políticas públicas

Por trás de um prato vazio ou repleto de alimentos baratos e pouco nutritivos, o Brasil vive um paradoxo: a fome e a obesidade caminham juntas. Hoje, 31% dos brasileiros estão obesos, e 68% têm excesso de peso, segundo o Atlas Mundial da Obesidade 2025. Ao mesmo tempo, 33,1 milhões de pessoas enfrentam insegurança alimentar grave, conforme dados da Rede Penssan. Como explicar essa contradição? A resposta está na desigualdade, na mudança de hábitos alimentares e na ausência de ações efetivas para enfrentar o problema.
Um prato cheio de desigualdades
Nas periferias das grandes cidades ou em comunidades rurais, o acesso a frutas, legumes e alimentos frescos é um luxo. Desertos alimentares — áreas onde predominam mercados lotados de salgadinhos, refrigerantes e macarrão instantâneo — são a realidade de milhões. Para famílias de baixa renda, como a de Zenilda da Silva, que comanda uma cozinha solidária em São Paulo, o orçamento apertado leva a escolhas difíceis: é mais fácil comprar um pacote de biscoitos recheados do que investir em uma refeição equilibrada.
Mulheres negras e pobres, como Zenilda, são as mais afetadas. Elas frequentemente priorizam a alimentação dos filhos, consumindo o que sobra — quase sempre ultraprocessados, ricos em açúcar, gordura e sódio. Estudos apontam que mulheres em situação de insegurança alimentar têm quase o dobro de chance de desenvolver obesidade grave. A desigualdade social, portanto, não apenas limita o acesso à comida de qualidade, mas também engorda.
A invasão dos ultraprocessados
Nas últimas décadas, o Brasil trocou o feijão com arroz por pacotes e latas. 76% dos alimentos consumidos no país são processados, segundo a Abia, o que reflete uma mudança cultural acelerada pela urbanização e pela praticidade. Alimentos ultraprocessados são baratos, têm longa validade e estão por toda a parte, mas cobram um preço alto. Entre 2006 e 2019, a obesidade no Brasil saltou de 11,8% para 20,3%, de acordo com o Vigitel. E a previsão é sombria: até 2050**, 65% dos adultos e 30% das crianças e jovens podem estar acima do peso.
Crianças, aliás, preocupam. Hoje, 14% das crianças de 5 a 9 anos são obesas, e a má alimentação na infância pode significar problemas de saúde na vida adulta, como diabetes, hipertensão e doenças cardíacas. Em 2021, 61 mil mortes prematuras no Brasil foram ligadas a doenças associadas ao excesso de peso.
Políticas públicas na berlinda
Combater a obesidade é mais complexo do que erradicar a fome, alerta José Graziano, ex-diretor da FAO. Programas como o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), que conectava agricultores familiares a comunidades carentes, perderam força — seu orçamento despencou 90% entre 2012 e 2022. A extinção do Consea em 2019 também deixou um vácuo na formulação de políticas de segurança alimentar.
Soluções existem, mas exigem vontade política. Taxar bebidas açucaradas, como fez o Chile, regular a publicidade de ultraprocessados e investir em educação nutricional nas escolas são medidas comprovadamente eficazes. Ampliar o acesso a alimentos frescos, por meio de feiras e mercados populares, e fortalecer a agricultura familiar também são passos essenciais. Sem isso, o Brasil corre o risco de ver a obesidade explodir, agravando a crise de saúde pública.
Um futuro mais leve é possível?
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